sexta-feira, 13 de abril de 2007

Vejam lá se gostam

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

"Cântico Negro" de José Régio

Desde há 8 anos atrás que considero este o meu poema de eleição.
Bom fim-de-semana

1 comentário:

Dina disse...

Recebi o convite e cá estou eu. Também gosto do Cântigo Negro, já o coloquei inclusivé também no Conversas em Verso.
Vou voltar porque sendo de Elvas é sempre com prazer que descubro outros elvenses na blogosfera.
Pelo que já li a Páscoa foi passada em grande à boa maneira de Elvas. Tenho saudades do tempo em que na 5ª feira á noite ia ver a Procissão do Mandato, aquela em que as matracas fazem um barulho impressionate e das amêndoas comidas durante essa noite. E claro do borrego e das queijadas.
Agora vou jantar a casa da filhota que é o melhor programa para um sábado à noite, principalmente porque foi ela que convidou sem ser preciso fazer "insinuações"!
Bom fim de semana!